quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Julgamento do Mensalão

Jacqueline Costa

Essa semana, o assunto, que tem dominado os jornais e, de certa forma, deixado as Olimpíadas para segundo plano, é o julgamento do Mensalão. Amanhã, começa um dos mais importantes julgamentos políticos da história brasileira e penso que todos estão bastante curiosos para saber o que vai acontecer.

O escândalo do Mensalão estourou em 2005, quando Roberto Jefferson revelou a Folha de São Paulo, detalhes do esquema, de que fazia parte, envolvendo desvio de dinheiro público, empréstimos fraudados e compra de parlamentares no Congresso Nacional. Membros da base governista da época, como o ministro José Dirceu, são acusados de orquestrar todas as operações do Mensalão. Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, eram os responsáveis pela lavagem do dinheiro. Já as agências de publicidade de Marcos Valério simulavam empréstimos, obtidos junto a bancos privados, para justificar o dinheiro distribuído aos parlamentares. As agências se utilizavam inclusive de autorizações falsificadas para a impressão de documentos fiscais, revelando um enorme preparo para esconder o dinheiro repassado aos parlamentares, em troca de votos a favor de projetos de interesse do Executivo. José Genoíno, ex-presidente do PT, defendeu que Delúbio Soares, tesoureiro do partido na época, fez, na verdade, "acertos de campanha" "não contabilizados" com Marcos Valério e que isso não se confundia com o esquema denunciado por Jefferson. (Genoíno e Delúbio reunciaram a seus cargos após o assessor do irmão de Genoíno ser pego com os dólares na cueca ainda em julho de 2005. Lembram-se?)  Além desses, os principais dirigentes do Banco Rural figuram como réus no processo.

No total, são 38 réus acusados de crimes como formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, peculato e gestão fraudulenta de instituição financeira. O STF, com base nas mais de 50 mil páginas que compõem o processo, se manifestará sobre a participação de cada um dos réus no esquema.

Vale lembrar de declarações como a de Lula na época, que disse que o PT só fez "o que é feito no Brasil sistematicamente", referindo-se ao caixa dois em campanhas eleitorais. O Mensalão fez com que o PT perdesse a arrogância de sua definição como partido extremamente ético e nunca ligado a qualquer tipo de escândalo desse tipo em sua história. Essa declaração já foi esquecida e o presidente, reeleito em 2006, após grandes companheiros seus terem sido denunciados pelo Procurador-Geral da República na época. O ex-presidente também admitiu após negar inúmeras vezes que sabia do esquema desde 2005, mas que nunca esteve envolvido.

Nós acabamos nos acostumando com um histórico de impunidade, que decorre de vários outros acontecimentos e escândalos, que antecederam esse. Somado a isso, verificamos que temos memória muito curta para esses assuntos. Acho que o maior exemplo disso, que eu vi, foi a eleição de Collor, em 2007 para o cargo de senador de Alagoas, após o impeachment e a sua renúncia em 29 de dezembro de 1992.

Apesar de classificado pelo Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, como "o mais atrevido" esquema de corrupção que o Brasil já vivenciou, em memorial apresentado ao STF nessa semana, e de todo mundo, de certa forma, saber disso, não consigo me sentir muito esperançosa. As coisas parecem, até o momento, caminhar mais uma vez para a impunidade.

O ministro Dias Toffoli, por exemplo, parece que não vai se declarar impedido para participar desse julgamento, mesmo tendo atuado como advogado do PT, durante as campanhas do ex-presidente Lula, em 1998, 2002 e 2006, ter sido advogado de José Dirceu e ser namorado de outra advogada de alguns dos réus. Pelo menos, ele não o fez até o momento e alguns jornais já noticiam que ele não o fará, por acreditar que não há impedimento algum.

Toffoli já defendeu, inclusive, junto ao TCU, a tese de defesa de Marcos Valério, acusado de deixar de repassar 2,9 milhões de reais ao banco contratante, o que estava previsto no contrato firmado. Toffoli afirmou na época a legitimidade da retenção de bônus em contratos firmados entre agências em geral e bancos. Esse bônus refere-se ao valor pago pelos veículos de comunicação às agências e, no caso julgado pelo TCU, o ministro aformou que tais valores não precisam passar pelos bancos contratantes, podendo ser diretamente repassados às agências, ao contrário do que os contratos prevêem.

As principais bancas de advogados do país apostam em alguma manobra, que pode ir do adiamento do julgamento à anulação de alguma prova essencial para a condenação dos réus. A tese de que o julgamento deverá ser desmembrado, em relação aos réus que não têm foro privilegiado e deveriam, pois, ser julgados pela justiça comum e não pelo STF, não deverá ser novamente discutida. Isso porque diante do empate de votos dos ministros sobre o tema, Sepúlveda Pertece decidiu pela manutenção do julgamento de todos os réus naquela corte. Porém certamente algum advogado tentará ressucitá-la.

Outro argumento, que poderá ser utilizado pelos advogados de defesa dos réus do Mensalão, é que no julgamento dos bispos da Igreja Renascer, acusados de lavagem de dinheiro, os réus não foram condenados pelo STF. A corte considerou, naquela ocasião, não haver previsão, na legislação penal brasileira, da figura da organização criminosa, necessária para condená-los.

Por fim, ainda há a possibilidade de os advogados alegarem, que há provas obtidas sem autorização judicial, o que enseja a aplicação do precedente utilizado no julgamento do ex-presidente Collor, quando foi absolvido, diante da desconsideração de várias provas que instruíam o processo. Com base nesse mesmo precedente, vários réus também foram absolvidos na década de 1990 e isso poderá ser utilizado agora.

Até sabermos se os réus serão condenados ou absolvidos, ainda há muito a ser discutido. Certo é que a opinião popular já os condenou. Pena que essa condenação provavelmente não terá reflexo nas urnas, assim que essa história cair no esquecimento. Vamos  acompanhar, a partir de amanhã, esse julgamento e verificar como a suprema corte brasileira se manifestará, por meio de seus ministros.

Foto: Reprodução.

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