terça-feira, 19 de março de 2013

O caso do trote no Direito

Jacqueline Costa




Eu estou na semana que antecede o concurso, para o qual venho me dedicando já há bastante tempo e não devia estar aqui escrevendo, mas diante da repercussão do trote, ocorrido na Faculdade de Direito, na última sexta-feira, não podia deixar de manifestar o que penso. É realmente desnecessário dizer alguma coisa diante da eloquência das imagens, mas mesmo assim insisto.

Para quem não passou por lá, não viveu lá durante cinco anos,  é muito fácil nivelar e dizer que se trata do bando de playboys do Direito, como se todos que passassem por lá fossem exatamente assim. Sim, existe essa discussão entre estudantes do Direito e de outros cursos da UFMG e essa conversa também permeia as conversas entre estudantes do Direito UFMG e do Direito de outras instituições de ensino. Por mais estúpida e imbecil que pareça, devo concordar que são atitudes de minorias, que contribuem para a formação da opinião de tantos e a massificação de muitos.

Fiquei estarrecida ao ver colegas manifestando, além de indignação, diante das imagens, vergonha da Faculdade de Direito. Sinceramente, tenho muito orgulho por ter me formado lá. Cada professor e cada colega contribuiu de alguma maneira para a minha formação. Confesso que se a Jacqueline de hoje voltasse à faculdade, certamente eu estudaria e aprenderia muito mais. Mas a Jacqueline que sou se deve em muito à formação que tive lá. Fiz o melhor curso, que podia fazer, tive os melhores professores, que poderia ter e, mesmo com todos os problemas, que enfrentei, devo a tudo isso o fato de ter me tornado uma profissional bastante respeitada no meio em que atuo.

Todavia, existe sim uma minoria, que me mata de vergonha, que nunca mereceu estar lá e que não sabe mensurar a importância de uma boa formação não apenas profissionalmente, mas para a vida. Na escola, todos têm uma educação parecida, condições financeira e social parecidas. É na universidade, que nos submetemos ao primeiro encontro com pessoas, de fato, muito diferentes de nós e isso é estarrecedor. Para mim, encontrar essa minoria, com valores éticos e morais tão deturpados, foi a queda do meu mundo cor de rosa. O ocorrido agora, não se trata de uma novidade. Não é apenas esse grupinho. Pela Vetusta Casa de Afonso Pena, já passaram inúmeras pessoas tão inconsequentes quanto essas. Fato é que as atitudes desses outros não eram tão deploráveis e não alcançaram, portanto, tamanha repercussão.

O trote nunca deixou de existir na Faculdade de Direito. O Regimento da Universidade sempre foi atenuado nas sextas-feiras, em que os calouros são recebidos. A desculpa para as brincadeiras, que não têm nenhuma graça, é baseada na necessidade de confraternização. Os calouros, por mais que saiam de lá chateados, nenhuma atitude tomam por considerarem que essa é parte do processo de aceitação naquele novo meio, normalmente bem diferente do que vieram. No semestre seguinte, considerando que essa é uma "tradição" na Vetusta, fazem o mesmo com a adição de mais alguns itens bem "criativos" com os novos calouros, porque, a partir de então, já são veteranos e têm praticamente o direito adquirido de sacanear os novos colegas. É a necessidade de se autoafirmarem.

No entanto, até hoje, nunca tinha visto algo tão pavoroso. Quando vejo essas fotos, só consigo notar a "caloura Chica da Silva" escondendo o rosto, na tentativa de esconder a vergonha, tamanha a humilhação por ela sofrida. Sobre o menino amarrado na pilastra e as saudações nazistas dos colegas, que tão bem o recepcionaram, prefiro nem comentar.

Em uma das reportagens, que li, o Centro Acadêmico Afonso Pena - CAAP admitiu a total conivência, em relação ao trote, o que ocorre desde a minha época de faculdade. Nesse sentido, nada mudou. Não se pode perder de vista que não é porque aquele espaço é denominado "Território Livre José Carlos da Mata Machado", que podemos transpor quaisquer regras, não apenas as da UFMG, que proíbe o trote, mas a de convivência pacífica e de mútua colaboração e respeito entre os membros da comunidade acadêmica.

Como já disse, as fotos falam por si mesmas. Não há contexto, que as sustente e que justifique o ocorrido como uma mera brincadeira, em prol da socialização entre estudantes. Desde o primeiro período, estudamos que mais que um fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana é um sobreprincípio. Acho que isso independe de previsão normativa. É só uma questão de bom senso.

Espero que essa sindicância, prometida pela Reitoria em todas as reportagens que li, seja efetiva e a punição desses alunos, exemplar. Isso só reitera o fato de que, infelizmente, o vestibular não seleciona caráter, postura e nem nenhum respeito pelo outro e pelo que representa a Faculdade de Direito.

Fotos: Reprodução.