E o pão com queijo?

Jacqueline Costa

O campo dos sonhos é sempre algo estranho para mim. Fico pensando nas conexões nada lógicas, que estabelecemos neles, nas histórias sem qualquer nexo, que criamos, e nos personagens inusitados, que aparecem.

Mas há alguns dias, tive um sonho totalmente pertinente e resolvi contá-lo.

Eu moro com o Gui e nós dividimos o apartamento com o Luiz Carvalho, que para nós é o Luhen. Segundo os meninos, morar é coisa de casal. Amigos, que são apenas amigos, dividem o apartamento. Isso já era assim antes de eu chegar e eu apenas respeito a regra estabelecida para me referir ao nosso lar.

No entanto, não deixo de considerar que essa definição me remete aos tempos em que eu e a minha irmã dividíamos o sofá. Nós botávamos uma linha imaginária no ponto escolhido para ser a fronteira para que uma não invadisse o espaço da outra. Caso isso ocorresse, dava briga. E eu sempre invadia de propósito com o pé só para vê-la muitíssimo brava.

Penso que hoje, a linha imaginária não seja mais necessária.

Eu gosto muito do Luhen. Ele é o tipo de pessoa que não ocupa espaço. Para ele, tudo sempre está bom. Ele nunca reclama de nada. Do que eu cozinho às compras da casa e à novela, que eu quero ver, tudo está bom. Isso sem contar que as opiniões bastante peculiares dele sobre tudo me matam de rir. Além disso, Monopoly e War ficam muito ruins apenas com dois jogadores.

Quando conversamos sobre a minha vinda para São Paulo, ficou estabelecido que o Luhen ficaria conosco até o casamento. Mas eu refleti bastante sobre o assunto e concluí que ele só tem mesmo que ir embora, quando eu e o Gui resolvermos ter um filho. O espaço, então, impedirá a permanência dele conosco, a não ser que façamos da sala o quanto do bebê.

Mas sempre há os amigos dele, que querem roubá-lo de nós. O Murilo, por exemplo, está firme nesse propósito, mas ele não contava com a minha astúcia.

Isso porque desde que me mudei para São Paulo, os meninos deram adeus aos lanches noturnos à base de pão com queijo. Todos os dias, eu preparo algo decente e totalmente dentro do permitido pelo regime para a gente jantar. Sempre compro frutas e as carnes e peixes tomaram o lugar dos congelados no freezer. Essa foi a maior mudança de paradigmas ocorrida desde que o apartamento dividido existe. Confesso que não sei fazer nada diferente, revolucionário ou encantador. Só sei fazer comidas simples, mas ótimas para o dia a dia. Diante do que viviam antes, foi mesmo uma abrupta mudança.

Inspirada nesse contexto, sonhei que o Luhen, durante o jantar, aproveitou para nos comunicar que ele e o Murilo, o algoz, tinham encontrado um apartamento e eles iam se mudar.

Sem pestanejar eu mandei: “Vá mesmo! Volte para o pão com queijo! Quero ver o Murilo fazer mingau de milho-verde para você! Vá lá! Peça para ele aprender a fazer o mingau e depois a gente conversa!”

No sonho, Gui e Luhen ficavam boquiabertos diante da minha indignação. E eu, achando o Luhen um dos mais mal-agradecidos do mundo.

No dia seguinte, quando contei do sonho para os meninos, a reação foi diametralmente oposta. Não conseguíamos parar de rir.

Mas uma coisa é certa: ficou selada a nossa rivalidade com o Murilo e ele já está ciente de que, se não aprender a fazer o mingau de milho-verde, não tira o Luhen lá de casa.

E o pão com queijo? O pão com queijo virou a melhor arma contra tudo. É uma ameaça mesmo, nada velada. E eu acho que o Luhen não quer voltar para ele tão cedo.

Foto: Reprodução.