quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Lei de Cotas: absurdo consumado

Jacqueline Costa


Nesses dias, em que Brasília respira o julgamento do mensalão, julgamento político mais importante já realizado pelo Supremo Tribunal Federal, a presidente Dilma sancionou a Lei de Cotas. Talvez o tenha feito à meia luz para evitar um pouco do alvoroço, que essa quase completa estupidez inevitavelmente provoca. Já falei aqui sobre ela, mas acho que agora que é fato consumado, vale a pena reiterar o absurdo que está por vir.

A Lei de Cotas reserva 50% (cinquenta por cento) das vagas de universidades públicas a alunos vindos das escolas públicas. Além disso, a distribuição dessas vagas deverá ainda observar a cor da pele dos candidatos. Sendo assim, aos pardos, negros e índios sempre haverá, dentro desses 50% (cinquenta por cento), um número de vagas reservadas, de acordo com a proporção dessa população em cada Estado brasileiro. Metade das vagas reservadas serão ainda destinadas a pessoas com renda familiar inferior a R$ 933,00.

Em 2013, 25% (vinte e cinco por cento) das vagas já observarão essas regras. As universidades deverão se adaptar totalmente nos próximos quatro anos.

Dilma vetou apenas o art. 2º da referida lei, que determinava que a seleção desses alunos seria feita pelo Coeficiente de Rendimento – média das notas obtidas pelos alunos no ensino médio. Eles serão selecionados pelo ENEM, que não se mostrou apto para medir a capacidade e conhecimento dos candidatos. A prova, extremamente mal elaborada e com questões sem nenhum propósito, levou o exame ao descrédito e, desde que começou a ser utilizado como seleção, mostrou um número preocupante de analfabetos funcionais nas universidades, que o utilizam como forma de seleção.

Na prática, a medida significa que metade das 240 mil vagas existentes nas universidades federais hoje serão preenchidas por um critério diferente daquele em que eu acredito: o mérito. Como já me manifestei antes, o acesso à universidade não é uma questão de justiça social. A universidade pública não se propõe a isso. Ela busca ser um centro de excelência em produção de conhecimento em seus três pilares: ensino pesquisa e extensão.

Assim, Lei de Cotas claramente busca reduzir o escasso número de alunos oriundos das escolas públicas nas universidades federais, sem dar a eles condições de concorrer em pé de igualdade com os alunos que vêm das escolas privadas. Essa igualdade de condições é a verdadeira forma de se fazer justiça social. Mas a malfadada lei não se preocupa com o fato de que o ensino oferecido pelo governo brasileiro em suas três esferas é, de fato, deficitário, com raríssimas exceções.

Isso impactará diretamente a produção de conhecimento nas universidades federais. Sabe-se que 59 universidades federais são responsáveis por quase 90% (noventa por cento) dos artigos científicos publicados no país. Atingir e manter esse nível só, e somente só, é possível se a universidade pública atrair para si os alunos e os professores mais bem preparados.

Todo mundo que passou pela universidade pública sabe o quanto é difícil para o professor nivelar a turma e atingindo um nível, em que todos, ou praticamente todos os alunos, consigam acompanhar a disciplina e aprofundar os estudos. Todo mundo sabe também, que quanto mais mal preparados os alunos entram, menos provável e quase impossível se torna o aprofundamentos de estudos.

Enquanto os professores, nesse caso, poderiam estar estimulando os alunos a se dedicarem à pesquisa, eles terão que criar formas de nivelamento dessas turmas. A orientação e auxílio em pesquisas e grupos de estudos provavelmente serão substituídos por aulas de reforço, a serem ministradas para esses alunos, que não possuem uma base sólida para encarar as disciplinas universitárias. Reitero que esse não é o papel da universidade pública.

De fato, conforme demonstraram os resultados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), a culpa de tudo isso não é dos alunos cotistas, mas das políticas de ensino adotadas e das escolas públicas brasileiras. E a solução desse problema, definitivamente, não é a Lei de Cotas. Talvez ela até ajude a mascarar esses resultados, já que aumentará o número de alunos oriundos das escolas públicas nas universidades públicas. Mas a conta disso será paga pela inevitável redução na produção de conhecimento.

Inúmeras manifestações contra a sanção da Lei de Cotas foram feitas em todo o país. O problema é que elas foram vistas apenas como a indignação de estudantes de escolas particulares. Não é o caso. Esse absurdo institucionalizado é um problema de todos nós.

Preocupo-me com a estrutura universitária, que não está preparada para receber esses alunos e nem tem como dever ensinar a eles o que eles deviam ter aprendido no ensino médio, mas assumirão compulsoriamente essa tarefa. Preocupo-me com as pesquisas, com a extensão universitária e com como manter a produção de conhecimento, diante desses novos desafios. Preocupo-me com o futuro de um país que simplesmente empurra o menino da primeira série até a faculdade, sem se preocupar com a efetividade da educação, que lhe é oferecida.

Sem dúvida, foi criado um novo e maior problema. E como bem disse o Gui, não sabemos dizer se nossos filhos se orgulharão e se inspirarão em nós para que se esforcem e aspirem a uma vaga em uma universidade pública daqui a alguns anos.

Foto: Reprodução.

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