quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Cinquenta tons de cinza

Jacqueline Costa


Quem não sabe que "Cinquenta tons de cinza" (Fifty shades of grey) é a obra literária mais comentada dos últimos tempos, não tem lido, ouvido ou visto nada. Deve estar imerso no próprio mundo ou fazendo algum tipo de internato ou retiro espiritual das notícias. Astros já disputam papéis no filme, que está em sendo produzido, a escritora se tornou celebridade e o primeiro livro da série já está em todas as listas de mais vendidos no mundo.

Os adultos sentem o gostinho, que as crianças e adolescentes experimentaram com a série "Harry Potter" ou com "O senhor dos anéis". Mas essa é uma outra espécie de saga sem mágica ou fantasia. Aliás a fantasia ali é outra, com conteúdo voltado indubitavelmente para os adultos. Classificado como um romance erótico, a autora Erika Leonard James usa uma linguagem bem simples e acessível e num cenário de histórias leves de amor, ela explora o mundo do sadomasoquismo.

Ontem, fui a uma livraria e encontrei o livro logo na entrada, perto de um box da Galinha Pintadinha e de um dos livros da cozinha de Jamie Oliver. Várias pessoas já estavam com ele nas mãos e outras liam algumas páginas para decidir com mais subsídio pela compra.

Eu estava em busca de alguns títulos sobre a França, para dar de presente, e me surprendi, quando nos sofás da seção de História e Geografia, duas mulheres de meia idade, forma física avantajada e critério para a escolha dos trajes um tanto quanto duvidoso, estavam com o livro na mão e discutiam sobre suas intimidades. Elas expunham uma para a outra com riqueza de detalhes a utilização de alguns dos métodos sexuais descritos no livro. Eu não conseguia me concentrar na escolha dos meus livros. Não conseguia prestar a atenção em outra coisa, que não as duas.

Diante da impossibilidade de uma escolha livre daquelas vozes estridentes e empolgadas, lancei mão de um título que se referia a Napoleão com letras grandes, capa dura e páginas lindas e coloridas e corri para o caixa. Naquele momento, toda o meu repertório histórico se resumiu a "França = Napoleão", diante da pressa e da vontade de correr dali o quanto antes possível. Paguei e fui encaminhada para o setor da loja de atendimento ao cliente em busca de uma embalagem de presente.

Queria só o papel e um adesivo. Afinal de contas, eu podia perfeitamente fazer isso no aconchego do meu lar, sozinha e com minhas próprias mãos. Mas lá estava uma atendente das mais trabalhadas na boa vontade, muito proativa e toda conversada, que prontamente se dispôs a fazer um embrulho lindo. Ela só me pediu que aguardasse o atendimento de outro senhor, que só queria um selo de troca e o meu embrulho demoraria muito mais.

Eis que o senhor do selo de troca lança no balcão aquele livro: "Cinquenta tons de cinza". Concluí que era impossível me livrar dele! E a atendente puxou papo com o senhor: "É um presente, né? Posso embrulhá-lo?" Ele respondeu que sim e que era para a esposa. Antes que eu conseguisse formular qualquer hipótese a respeito, ele disse que ela estava querendo muito ler o livro e ele deu o maior apoio, porque sempre quis apimentar a relação.

A atendente, que não se conteve, informou ao senhor que já tinha lindo os dois primeiros livros da série, depois de participar de um congresso da editora sobre o lançamento da obra no Brasil. Ressaltou que eles seriam muito úteis para inspirar uma relação mais "livre e excêntrica", exatamente com esses termos. Eu olhei bem para aquele senhor de terno e barriga saliente e foi impossível não pensar que ele não é do tipo que me parece ter estranhas fantasias. Aliás, fantasia nenhuma combina, a meu ver, com o bigode, que ele orgulhosamente sustenta no rosto.

Depois desse comentário da atendente, o senhor ficou mais do que envergonhado e em nada me fez lembrar das mulheres lá da seção de História e Geografia, que expunham em alto e bom som todas as suas peripécias. Ele educadamente agradeceu, se despediu e partiu escondendo o que carregava, como se a embalagem não fosse capaz de fazê-lo por si só. Penso que o comentário da moça da moça o fez cair em si e se dar conta de que não foi uma boa ideia falar sobre sua vontade de apimentar a relação.

Depois de ser atendida, percebi que tinha mais gente com o dito livro em punhos, aguardando por um embrulho para presente. Agora estou aqui pensando que a onda dos "Cinquenta tons de cinza" daqui a uns dias deve invadir o metrô e, sem dúvida, os desinibidos do vagão vão querer divagar sobre como a arte imita a vida. Ai, meu Deus! Não quero nem imaginar o que a nação "curintiana" do metrô tem a dizer a respeito...

Foto: Reprodução.

4 comentários:

  1. Jacque,

    Estou morrendo de rir aqui no escritório imaginando a cena!!!

    Você já começou a ler a saga???

    Estou lendo pelo cel e em inglês...o que caiu como uma luvao ao meu perfil mais reservado... Não consigo me imaginar recebendo olhares "travessos" de velhos bigodudos nos aeroportos ao constatarem a minha leitura!

    Enfim... o livro é bacana e bem viciante realmente...mas a pitada de crepúsculo que tem nos diálagos e sentimentos e aflições exarcebadas me irritam um pouco! E outra...a mocinha em menos de uma semana que está saindo com O CARA me repete o vestidinho roxo que a amiga emprestou...

    Um pouco forçado, né?

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    1. Ainda não, mas já percebi que será impossível não aderir a essa saga. Sempre corro dessas séries. Para mim é meio difícil pensar que vou me sentir presa até conseguir terminar todos os livros. Mas quero ao menos esperar meu concurso passar e mato a série em umas duas semanas.
      Bjos, Kel!

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  2. Imagina se trocam as embalagens no balcão e o afamado livro vai cair nas mãos da aniversariante da semana - se é quem eu penso! Misericórdia! Um dia a Tilica te conta a história da 'sensação' descrita pela aniversariante, ao ter o cotuvelo tocado ao ser conduzida de um lado a outra da rua em BH. Jesus! Adoro sua redação!! Crises de riso aqui!!
    Beijos, a prima Cris
    ps. Da banca de entrada da loja, acho que compraria o Jamie Oliver - há receitas apimentadas!

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    1. Cris,
      Acho que, por precaução, vou abrir a linda embalagem, feita com tanto esmero, pela moça conversada só para garantir, né? É mais seguro!
      Se dá sensação só de pegar no cotovelo, imagina de garrar com as páginas daquele livro... Misericórdia mil vezes!
      Bjos!

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