sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Quem vai condenar Monteiro Lobato?

Jacqueline Costa



As “Caçadas de Pedrinho” acabaram entrando na pauta do STF. O Instituto de Advocacia Racial – IARA impetrou um Mandado de Segurança, para impedir o uso do livro de Monteiro Lobato na rede pública de ensino, sob o argumento de que o livro faz “referência ao negro com estereótipos fortemente carregados de elementos racistas”.

Diante disso, o ministro Luiz Fux propôs uma audiência de conciliação entre o IARA e representantes do Ministério da Educação, Advocacia Geral da União – AGU e Ministério Público Federal – MPF, que aconteceu no último 12 de setembro. Após três horas, os órgãos não chegaram a um acordo e a discussão sobre o tema prosseguirá.

Em 2010, a obra foi banida das escolas pelo Conselho Nacional de Educação, mas posteriormente um parecer do Ministério da Educação revogou a proibição na rede pública de ensino. O Mandado de Segurança pretende anular essa revogação.

O Ministério da Educação propõe a inclusão na obra de nota explicativa para que no próprio livro o aluno possa encontrar a contextualização da obra, escrita em 1933, mas o IARA acredita que essa medida seja insuficiente e que a obra estimula sim a prática do racismo.

Desculpem-me os que discordam, mas para mim, ler é muito mais do que juntar sílabas, entender as linhas e concatenar os parágrafos. O exercício da interpretação de qualquer texto tem como parte primordial a contextualização dele na época, em que foi escrito. E é justamente isso que as crianças devem aprender na escola: entender que época o livro retrata e como ele retrata aquela realidade.

Que sentido faz censurar uma obra a pretexto de que ela é racista, se na época em que foi escrita, essa discussão sequer existia? Seria o mesmo que censurar a bíblia pelo fato de que alguns livros usam expressões ofensivas à condição das mulheres, censurar Eça de Queiroz por suas obras anticlericais ou Shakespeare, ao argumento de que em sua escrita há toques antissemitas.

Ademais, a discussão vai muito além da liberdade de expressão. A verdadeira questão está no fato de que a maior parte dos professores brasileiros não está capacitada para transmitir aos alunos a necessidade de discernir o contexto histórico e social, em que a obra foi escrita. Isso, de fato, importa.

Mas a falta de capacitação dos professores da rede pública é outro tema para muitos posts. Não vou discuti-lo agora. Limito-me a salientar que, a meu ver, a solução definitivamente não é proibir a utilização de obras da literatura brasileira tão importantes. Chega a ser absurdo mascarar o problema da falta de estrutura das escolas e de capacitação dos mestres para lidar com temas como o preconceito histórico e o racismo hoje, proibindo a utilização de certos livros.

A interpretação e contextualização é a parte, para mim, mais importante no processo de aprendizado, no que concerne à leitura. Censurar obras como “Caçadas de Pedrinho” seria limitar o livre acesso dos alunos a textos que possuem dimensão histórica e impedir que eles tenham a oportunidade de aprender o que está além das linhas do texto e discernir os elementos de comportamentos de outras épocas.

Foto: Reprodução.

2 comentários:

  1. concordo com sua visão. julgar a obra trazendo-a para a lógica de discurso e moral que temos hoje, desprezando a da época em que foi escrita, não é mto honesto.
    e sim... falar sobre a capacitação dos professores é um assunto que rende muito. aguardamos seus posts. rs

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  2. Pode deixar, Éden! Abordarei isso aqui muitas vezes ainda. Já até comecei a escrever um pouquinho. Confesso que, quando a ideia surge, começo digitar as coisas que penso a respeito, para evitar que eu me esqueça. Com isso, às vezes, preparo mais de um post ao mesmo tempo dos temas o mais diversos possível! Assim que terminar, você poderá ler um pouquinho mais da minha opinião a respeito.
    Bjos!

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