terça-feira, 11 de setembro de 2012

Trabalhar em casa: quem não quer?

Jacqueline Costa




Eu, servidora pública, saio de casa todos os dias no mesmo horário. Enfrento o trânsito da Bandeirantes até a Estação Pinheiros e, de lá, o metrô até a Praça da República. Ao longo do trajeto, sempre me questiono sobre a desnecessidade de manutenção de toda a estrutura (prédio, água, luz, café, computadores, impressoras, mesas, cadeiras, ar condicionado, segurança etc) para que os servidores usem todos os dias essas dependências, visto que todo o trabalho, que faço aqui, eu poderia desenvolver em qualquer lugar, apenas com um computador com acesso à internet.

Nós, servidores públicos, estamos adstritos ao princípio da legalidade, que só nos permite fazer o que a lei nos autoriza. Nesse caso, ela determina o cumprimento de uma carga horária semanal de 40 horas, que deve ser comprovada com folhas de ponto. Esse é o ponto final de qualquer argumento pró trabalho em casa, quando suscitado aqui na repartição. Se isso não está na lei, para nós, não é factível.

Como para os particulares o princípio da legalidade quer dizer fazer tudo que a lei não proíba, eles conseguem ver um horizonte que vai muito além da desconfiança prévia em seus funcionários, que demande um monitoramento diário das atividades de cada um. As empresas têm concluído que manter essas estruturas e submeter seus funcionários ao deslocamento, que tem se tornado cada vez mais caótico nas cidades brasileiras, pode ser dispensável.

As empresas de tecnologia são pioneiras nesse modelo e além de evitarem gastos com a manutenção de estruturas e o desgaste dos funcionários com o deslocamento diário, ainda podem contratar pessoas em todo o mundo para prestar-lhes serviços. A distância não impõe restrições para que se possa encontrar grandes talentos.

Esse novo conceito de empresa é, sem dúvida, o que melhor se adapta à rotina individual, de acordo com suas particularidades. Nesse modelo, as pessoas que preferem trabalhar cedo, começam cedo. Já as que gostam de ficar na cama um pouco mais, podem também escolher trabalhar até mais tarde. Ele também evita que os empregados não trabalhem por imprevistos, como greve no transporte público, que dá um nó no trânsito da cidade inteira e atrapalha a vida dos usuários e dos não usuários desse transporte, ou um pneu que fura e deixa o empregado na mão. No caso de haver a necessidade de levar, às pressas, um filho doente ao médico, não é preciso passar por aquela situação constrangedora de ter que avisar ao chefe. Especialmente quando o chefe é um solteiro convicto ou detesta crianças, isso pode ser ainda mais desagradável.

Apesar de todas essas vantagens, estudos apontam que esses modelos de empresas são ainda bastantes raros. Mesmo aquelas que pensam a organização da forma mais moderna possível apresentam alguma resistência. Mas já há algumas empresas, que adotaram o modelo e que nos mostram que essa deve ser sim uma das faces do trabalho num futuro próximo.

A Automatic Inc., por exemplo, possui 123 empregados trabalhando em 26 países, 94 cidades e 28 estados americanos. A empresa, que hospeda servidores da plataforma de blogs WordPress.com, permite que seus empregados escolham onde vão trabalhar. A Automatic Inc. possui um escritório em São Francisco para uso ocasional, mas a direção, coordenação de projetos e orientação dos empregados são feitas online.

As reuniões acontecem no Skype ou por meio de chats na internet. As dúvidas são solucionadas por e-mail ou pelo blog interno. Em caso de questões mais delicadas, as conversas são feitas por telefone. Anualmente acontece um grande encontro para reunir todos os empregados e para que eles trabalhem juntos por uma semana.

Apesar de tantos pontos positivos, muitas pessoas não se adaptam e não conseguem separar a rotina doméstica do trabalho. Outras têm dificuldade em lidar com a coordenação mínima e constante necessidade de tomada de decisão, que essas atividades, em empresas com organização mais horizontalizada e com menos hierarquia, demandam. Outros ainda possuem uma enorme resistência ao trabalho em equipe à distância, precisando do contato pessoal para se desenvolver profissionalmente. Há também aqueles que não conseguem conviver com o fato de que, algumas vezes, as soluções podem demorar até o dia seguinte, pela diferença de fuso-horário entre os empregados.

No entanto, o conforto de não ter que sair de casa todos os dias no mesmo horário e enfrentar os mesmos pontos de congestionamento, o metrô cheio e o interminável vaivém das pessoas no centro da cidade, seria perfeito. Pode demorar um pouquinho, mas adaptar-se a uma rotina de trabalho em casa não deve ser muito difícil. Demanda disciplina e organização, mas não é mesmo difícil.

Para os que amam o interior, uma rocinha e os pés na terra. Para os que não vivem longe da cidade grande, o trânsito será visto apenas pela janela. Para os que estão de regime, almoço em casa todos os dias. Para os que morrem de preguiça do terno, um bom e velho pijama. Cada um pode construir, dessa forma, o cenário perfeito para o trabalho.

Fotos: Reprodução.

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