quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Eu vou para a Índia!

Jacqueline Costa




Ontem eu me dei conta de que, em poucos dias, eu vou para a Índia. O dia começou um pouco mais cedo para que eu e o Gui tomássemos a vacina contra a febre amarela, necessária para entrar no país. Aproveitamos e atualizamos todas as vacinas atrasadas: tríplice viral e tétano. Nunca soube que depois de grande tinha que continuar tomando vacinas e acho que muita gente também não sabe, mas de dez em dez anos, essa atualização é necessária.

Fui para o Consulado da Índia solicitar o visto. Lá já identifiquei logo o clima indiano: todo mundo com a cor típica dos indianos, que acho que o pessoal de Florestal usaria com sucesso o termo encardido para designá-los. Todos falando inglês com aquele sotaque, que nem se eu quisesse, conseguiria imitar, mas que faz as palavras parecerem meio quadradas, eu acho. E o melhor: falavam inglês como se fosse um dialeto do leste da África dominado por apenas 200 pessoas. Assim, não tinham o menor pudor de falar sobre as pessoas da sala de espera, os pedidos de visto e os nomes estranhos dos pretensos viajantes, como se ninguém pudesse entender o que falavam.

Na sala de espera, aqueles tapetes gigantes, que me pareceram caros, sofás confortáveis de couro e fotos das figuras ilustres da Índia nas paredes. As pessoas, que esperavam ali, precisaram apenas de uma dúvida sobre o preenchimento do formulário para engatarem um papo bem animado sobre a vida na Índia e no Nepal. Quando olhei para os pés das pessoas de sandálias, apesar das ameaças de chuva em São Paulo, vários anéis de dedos do pé e tornozeleiras. Logo pensei: "Hippies!" E não estava errada.

Em poucos instantes, identificaram um amigo comum, alguma coisa tipo um mestre. Compartilhavam a experiência de tocar nos pés do moço e sentirem uma energia fortíssima, como em forma de ondas, verem o horizonte colorido e tal e etc. Falavam devagar, numa calma que tornava a minha paciência bastante diminuta.

Depois do tema energização com os pés do moço, passaram para a culinária local. Uma das moças lá da sala de espera está escrevendo um livro que correlaciona a comida indiana e do Nepal com o calendário religioso. Em determinadas épocas, alguns itens não são permitidos. Em outras, certos ingredientes são mais do que indicados. Pelo que entendi, isso nada tem a ver com safra e entressafra. O que rege as receitas é o hinduísmo mesmo.

Outra moça contava que tem um grupo de meditação para, segundo ela, oferecer aos paulistanos um espaço de relaxamento e encontro com Krishna. Em seu templo, as pessoas se alijam dos problemas e se tornam mais desprendidas. Penso que todo esse desapego é também um pouco de desapego da realidade. Se qualquer um, que lê o que escrevo, estivesse lá comigo, só de ver saberiam exatamente do que eu estou falando.

Meio chocada com o papo completamente surreal para mim, fui chamada para a entrevista. O meu entrevistador era brasileiro e não tinha qualquer traço de indiano. A minha cara, os brincos e as californianas no cabelo denunciaram a completa ausência de intenções de minha parte de me tornar Hare Krishna, entoar mantras e meditar o dia todo. Por isso, foi simples e rápida a minha passagem por ali.

Mas, por óbvio, como o Gui gosta que eu ressalte, não podia deixar de fazer algumas perguntinhas. Questionei se a concessão de vistos para a Índia era tranquila. O moço me disse que sim, mas que eles têm se tornado mais rígidos, por causa dos estudantes mochileiros, que descobriram o sudeste asiático, passam pela Índia e resolvem ficar lá para sempre com os mantras e a meditação.

Com todo o meu preconceito generalizante, diria que viram hippies e que isso é falta de couro. Pois é... Alguns pais concordam comigo e vão lá buscar os filhos. Só que os meninos insistem no projeto de vida com base no desapego e querem voltar. Nesse caso, o Consulado tem sido mais rígido na concessão dos vistos de turista.

Voltei para a sala de espera e enquanto guardava todos aqueles papéis, sempre necessários para a concessão de vistos, o mesmo grupo prosseguia animado com o papo. Falavam sobre a data de embarque e a ansiedade. Foi quando um moço, que antes já tinha se apresentado como recém-formado em Relações Internacionais (Minha irmã diria que ele ainda não percebeu que RI é como aula de violão. Você deve fazer por hobby, porque emprego nessa área é quase um milagre.), disse que vai primeiro para o Japão, mas chegará à Índia a tempo do dia 21/12/2012, o fim do mundo maia. Todos concordaram que essa data será reveladora e que pretendem estar na Índia quando ela chegar. Posteriormente também anuíram com a tese da moça, que tem o espaço de meditação aqui em São Paulo, que essa data revelará um novo homem. Para eles, será o fim da insustentável estrutura social e humana posta e que todos enxergarão, a partir de então, a necessidade de mudança.

Meu Deus! Foi demais para mim! Eu não espero uma data, prevista no calendário maia, para me tornar uma pessoa melhor. Tento fazer isso todos os dias. E não preciso marcar um encontro com Krishna para exercer a minha fé. É a coisa da onipresença. Não vou falar disso para não corroborar a tese daqueles, que acreditam que se Deus está em todos os lugares, não preciso ir à missa para me encontrar com ele, e não deixar a mamãe e as minhas tias furiosas. Mas, vale ressaltar: Eu rezo todas as manhãs, porque antes de encostar a cabeça no travesseiro, todas as noites, eu já dormi.

Agora é aguardar e ver o que a Índia me reserva, além desses brasileiros, que buscam apenas um encontro mais íntimo com Krishna...

Foto: Reprodução.

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