Jacqueline Costa
Dias depois de a menina Malala - aquela que levou um tiro na cabeça por ter divulgado ideias sobre a educação de meninas no Paquistão - voltar aos noticiários, por ter ganho o Prêmio Sakharov, no Parlamento Europeu, eu tenho pensado muito nas diferenças culturais que nos separam. E não apenas em relação aos países árabes, mas também em relação a todo tipo de cultura diferente da nossa.
Seria muito pretensioso achar que a nossa cultura é ideal, perfeita e com base nela poderíamos pensar tudo o que se passa no mundo. É justamente esse o problema quando começamos a debater situações contextualizadas em culturas diferentes da nossa, com base no que pensamos, fruto indissociável da criação que tivemos, da educação que recebemos e dos costumes de onde vivemos. O que quero dizer é que não posso avaliar a cultura de outros países com meus olhos de brasileira, classe média e pós-graduada. A cultura de cada um deve ser pensada em seu contexto.
Obviamente existem questões absurdas diante de qualquer cultura e de qualquer contexto, como a violência física, praticada pelos maridos às mulheres. Li uma reportagem com relatos dolorosos de mulheres que por anos foram violentadas sexualmente por seus próprios maridos, que, em muitos casos, as agrediam e as mantinham presas e sem comida e água por dias. Outro caso é a forte repressão que as mulheres sofrem em países como o Afeganistão e o Paquistão, quando lutam por seus direitos, como aconteceu com Malala. Ou ainda os casos absurdos de mulheres violentadas em plena Praça Tahrir, no Egito, em meio aos protestos contra o presidente Mohammed Morsi. Além desses, há os incalculáveis casos de mutilação genital feminina, praticada em vários países africanos e em alguns árabes. Para não dizer que trato apenas de questões relacionadas às mulheres, também fazem parte dessa lista de desrespeito ao ser humano em qualquer concepção que se adote o número que cresce a cada ano de refugiados africanos, que são expulsos de seus países pela guerra ou por questões políticas e migram para outros lugares. Eles fazem isso para não morrerem e deixam tudo para trás: emprego, casa e muitas vezes até a mulher e os filhos. Convivo com muitas dessas faces inevitavelmente tristes todos os dias, quando vou para o trabalho e passo próximo aos vários prédios do Centro de São Paulo, que abrigam os refugiados.
No entanto, não é a isso que me refiro. Falo de quando julgamos o uso do véu, da burca e de outros costumes tão estranhos para nós, como esses. As críticas, nesse caso, devem ser feitas com base em uma única coisa: respeito. O respeito à diferença deve guiar toda e qualquer discussão. Compreendo que nem todo mundo entenda a simbologia desses elementos na cultura árabe, por exemplo. Entendo também que muitos falam mais do que escutam, do que leem e não têm tanto interesse assim em pesquisar, em buscar compreender como o outro pensa, como o outro age ou com base em que suas decisões são fundamentadas. Mas quando estive por apenas dois dias em Doha, há um ano atrás, pensei muito no assunto e, desde então, trato esses temas com muito mais cautela do que já costumava empregar em qualquer discussão a respeito.
Penso que definição do meu conceito de liberdade pode ser, muitas vezes, tão restritiva, como acreditamos ser o uso da burca. A obrigação que temos de exibir um corpo perfeito o tempo todo leva muitas pessoas a se tornarem absolutamente escravas das dietas impossíveis, da malhação desenfreada e dos suplementos alimentares, que tomados sem orientação trazem mais malefícios, como a sobrecarga dos rins, do que benefícios. Vi um programa sobre uma ex-miss Estados Unidos, que não soube administrar as cobranças para que mantivesse o corpo perfeito e, por isso, acabou descontando toda a ansiedade que isso lhe causava na comida. Ela se tornou obesa, diabética e alcoólatra e entendia ser essa a sua sina. Por outro lado, nos shoppings de Doha, vi mulheres tão ou mais vaidosas do que eu, sentindo-se lindas e absolutamente livres da ditadura da balança por debaixo do véu; liberdade essa que muitas ocidentais não têm.
Querer impor a minha cultura, a forma como eu penso para outra pessoa, que possui outros parâmetros de vida e de entendimento do mundo é, antes de tudo, querer colonizar. É fazer o mundo girar ao contrário para voltarmos ao século XVI, quando se acreditava ser a cultura européia a melhor de todas e, justamente por isso, foi imposta violentamente aos países colonizados. Acredito que esse tempo ficou para trás e hoje o que mais existe no mundo é informação. Então, por que não aprender e compreender um pouco mais a maneira de pensar e de viver do outro antes de pensá-lo apenas com os nossos critérios?
Respeitar as diferenças culturais é ver no outro a possibilidade de pensar e agir diferente de mim. É ver que o mundo não é só do meu ou do seu jeito. É saber que as coisas funcionam, lá longe, de uma forma estranhamente diferente para mim, mas funcionam. De um jeito ou de outro, funcionam. O respeito é uma forma de enxergar o mundo sem lentes e as diferenças são o que o tornam mais colorido.
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