sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Direito é linguagem

Jacqueline Costa



A minha nova pós-graduação, pela qual estou apaixonada e já triste porque vou entrar de férias daqui a pouco (queria dois anos ininterruptos de alegria e empolgação, inclusive com as noites mal dormidas, por causa dos seminários, livros espalhados por toda a casa e a cabeça cheia de dúvidas e da certeza de que sei ainda muito pouco) tem me feito pensar muito a respeito da linguagem, dos argumentos jurídicos e não jurídicos e da questão da coerência. Realmente é preciso ser coerente e não deixar que todo o seu discurso se esvaia, porque é contraditório, porque acredita nisso para uma coisa, mas ao ser questionado sobre outra hipótese para a mesma questão, já muda de ideia.

A minha nova pós tem me feito pensar muito, mas estamos vivendo um momento extremamente relevante politicamente, com a inquietação e desconforto da população, expresso pelas manifestações e, em especial, com o julgamento do mensalão, como um todo, não apenas quanto à admissibilidade dos embargos infringentes. Nunca vi tanta gente se manifestar a respeito de temas estritamente jurídicos, como o cabimento de tal recurso e, diante disso, todos os tipos de argumentos que definitivamente não são jurídicos emergiram. Cansei-me de ouvir que ladrão tem que ir para a prisão, mas que, nesse país, rico não vai para a cadeia. Tem gente que acha que estão dando um jeito de inocentá-los e que estão mudando as regras do jogo. Dizem que se já foram julgados, está tudo certo e pronto. Simples assim! Mas sobre as questões acerca da revogação do Regimento Interno do STF, muito pouco se falou. Nem mesmo meus colegas do direito discutiram essa questão, por mais relevante e difícil que seja.

Chamo à atenção o fato de que o direito é linguagem: É técnica e exatamente por isso não está acessível a todos, ou seja, aqueles que argumentam que se trata de uma ciência prolixa que deve ser simplificada não têm nem um pingo de razão. Até concordo que os advogados, juízes e todos aqueles que trabalham com o direito deveriam prezar pela norma culta, pelo respeito à gramática e, assim, observar a necessidade de objetividade, de elaboração de um texto coeso e coerente. O que quero dizer aqui é que não temos, enquanto operadores do direito, no exercício de nossa função simplificar os termos técnicos ou, até mesmo, inutilizá-los, comprometendo os institutos jurídicos, para que a população compreenda do que estamos falando.

Fico aqui me perguntando, por que ninguém questiona e clama pela simplificação da linguagem médica por nomes, descrição e tratamento de doenças em termos mais simples acessíveis a todos, abolindo o linguajar técnico, inclusive no que concerne aos medicamentos prescritos? Por que ninguém questiona a simplificação da linguagem dos engenheiros para que qualquer simples mortal tenha acesso e compreenda com perfeição o projeto de uma casa, por exemplo? Por que ninguém critica e se rebela contra as demonstrações contábeis para que se tornem mais simples e qualquer pessoa possa compreendê-las com exatidão?

Então! É isso! É disso que estou falando. Direito é linguagem e linguagem técnica. Não há de se buscar a simplificação de seus institutos ou de seus termos técnicos. Nem todo mundo precisa e quer saber a diferença entre recurso especial e recurso extraordinário. Não há a necessidade de transformar o telejornal em uma pseudo-aula de direito, para explicar o prequestionamento, exame de admissibilidade ou teoria da culpabilidade.

Quem não é operador do direito tem todo o direito de ter um pouco de dificuldade quanto a essa compreensão de que é direito é técnico e o direito positivo, objeto de estudo da ciência do direito, por quem faz ciência do direito. O que não aceito é que as pessoas que passaram cinco anos na faculdade e, inclusive, já tendo se rendido a cursos de pós-graduação, levante essa bandeira pela simplificação. Normalmente são desses que costumo ouvir argumentos não jurídicos para defender essa ou aquela decisão, se rebelar contra esse ou aquele posicionamento e discutir sempre sem qualquer preocupação com a concatenação de ideias em um discurso eminentemente jurídico. São esses que se investem na autoridade de "doutor" e soltam por aí, aos quatro ventos, as coisas mais estúpidas que já se viu.

Nós, operadores do direito, temos a obrigação de dele cuidar, de prezar por ele e devemos saber separar o que seja argumento jurídico do que não seja. Também temos o direito de termos opiniões leigas diante dos fatos jurídicos, mas não podemos fazer pensar que se trata de opinião jurídica ou que isso esteja de acordo com a lei. É essa pretensão de conferir jurisdicidade a tudo pelo simples fato de ter estudado direito que acho que temos combater. Opinião pessoal, indignação e se considero isso justo ou não não podem ser confundidos com o que, de fato, é o direito.

Foto: Reprodução.

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