Jacqueline
Costa
Ao
que tudo indica, a presidente Dilma Rousseff sancionará a lei proposta pela
Deputada Federal Eunice Lobão (PSD/MA), que pretende criar, nas universidades e
institutos técnicos federais do país, cotas raciais e sociais para 50% das vagas
hoje existentes. Vale lembrar que o STF já declarou a constitucionalidade das
cotas raciais, quando apreciou o tema, por mais absurdo que isso seja.
Essa
é mais uma proposta de lei, que afronta a Constituição Federal. Para disfarçar
essa afronta, utiliza-se da justificativa de que se trata de uma demanda social
e que é um tipo de discriminação positiva. Defendem que a adoção das cotas
raciais e sociais é uma medida de justiça social. Ora, qualquer que seja o tipo
de discriminação, que se imponha nesse campo, é negativa e atentatória ao
princípio da igualdade, cláusula pétrea da nossa Constituição. O que deve ser
concedido às pessoas é o direito de elas concorrem em pé de igualdade e não
criar condições que favoreçam determinados grupos.
O
papel da universidade nunca foi reduzir a desigualdade social. A universidade
se sustenta em três pilares: ensino, pesquisa e extensão. Sabemos que
especialmente em relação à pesquisa e à extensão o país investe muito pouco e a
maioria dos alunos, que passa por ela não se dedicam a eles. No Brasil, a
pesquisa e extensão nunca foram devidamente valorizadas, mas é justamente o que
confere à universidade a excelência em produção de conhecimento.
Refiro-me
à produção de conhecimento avançado, às pesquisas que podem trazer melhorias
enormes para a vida das pessoas, que podem encontrar a cura de doenças e
revolucionar os nossos conhecimentos em diversas áreas. A universidade não tem
o papel de ensinar para o aluno tudo o que ele deveria ter aprendido no ensino
médio. Pelo contrário, ela espera que seus alunos possam ir muito além do que
ela os ensina.
Criar
universidades calcadas nesse tripé, para que sejam reconhecidas como centros de
excelência, depende, quase que totalmente, da seleção de alunos, com base na
competência ou desempenho. Elas devem realmente ter os melhores alunos em suas
cadeiras para que possam cumprir seu objetivo e avançar na produção de
conhecimento.
Imagine
o quanto estarão preparados os alunos vindos das escolas públicas, que serão
avaliados pelo Coeficiente de Rendimento, que é uma conta criada para definir
um padrão nacional de notas. Como se sabe, o nível das escolas públicas
brasileiras varia muito. Esse tipo de cálculo beneficiará as escolas relapsas,
que reduzirão ainda mais o nível de exigência dessas instituições de ensino
para que seus alunos tenham alguma chance de ingressar em uma universidade
pública. Outro ponto que pesa desfavoravelmente a essa tese é que não existe um
currículo nacional, que todas as escolas públicas do Brasil adotem, permitindo,
assim, que seus alunos sejam equiparados e adequadamente ranqueados.
O
Ministério da Educação divulgou o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
no Brasil – IDEB 2011 e os resultados foram alarmantes. A maioria dos Estados
não bateu a meta imposta pelo MEC. Verifica-se ainda a imposição de metas
distintas para cada Estado, subestimando a capacidade dos alunos das regiões
mais pobres do país. O IDEB avalia também os índices de reprovação. Para turbinar
o desempenho das escolas, é bem possível que muitos alunos, que não preencham
os requisitos mínimos do ciclo em que estão, sejam aprovados e passem para o
seguinte. Por conseguinte, será cada vez maior o número de alunos, que concluem
o Ensino Médio, como analfabetos funcionais – aqueles que leem, mas não são
capazes de interpretar aquilo que está no texto.
Além
disso, metade das cotas raciais e sociais deverá ser reservada para alunos com
renda per capita de até 1,5 salário mínimo
mensal. Eu estudei em uma universidade pública e vi a dificuldade que ela tem
para manter os estudantes de baixa renda. As fundações, que têm esse objetivo,
são mantidas com a ajuda dos demais alunos. Assim, será criado um ônus
adicional para o governo, que terá que subsidiar esses alunos, para que eles
possam se dedicar à universidade tem tempo integral, pelo menos por boa parte
do curso. Sabemos que isso não vai acontecer e que, precisando trabalhar, esses
alunos aumentarão enormemente o índice de evasão das instituições públicas de
ensino.
Todos
os estudos apresentados para justificar a criação das cotas raciais e
sociais comparam o desempenho de um branco de escola particular com um
negro de escola pública. Eis a questão. O problema não está na raça e
nem nunca esteve. O problema está na discrepância do ensino das escolas
públicas e privadas. Existe um verdadeiro fosso entre elas. A adoção das
cotas apenas mascara a qualidade do ensino público no Brasil.
Eu
não tenho a menor dúvida de que a criação de cotas dessa maneira rebaixará o
ensino público, selecionando alunos sem nenhuma verificação de desempenho,
apenas com base naquele Coeficiente de Rendimento, que será obtido em provas
diferentes, que utilizam critérios diferentes. E ainda tem gente que quer
discutir que se trata de uma medida de justiça social, que sobreleva o princípio
da igualdade. Igualdade em que? - devo perguntar.
Estudei
Direito, um dos cursos, em que o ingresso em uma universidade pública é dos
mais difíceis, e morria de decepção ao perceber que a cada semestre, os alunos
que entravam eram mais mal preparados. Depois, já trabalhando em escritório de
advocacia, percebi o quanto era difícil selecionar um estagiário, pelo simples
fato de que a maioria dos candidatos não sabe sequer escrever. Não digo
escrever bem. Só queria que soubessem se expressar e organizar as ideias no
papel. Mas nem isso era possível.
Quando
entrei em Ciências Contábeis, também em uma universidade federal, percebi que o
nível cultural e especialmente a escrita dos alunos eram piores do que dos do
Direito, que já era para mim absolutamente precária. Percebi em muitos poucos
alunos de Contábeis a curiosidade intrínseca àqueles que leem muito, que são
informados e que buscam sempre saber do que está acontecendo no país e no
mundo. Poucos se envolveram, ainda que por pouco tempo, em projetos de extensão
e não conheci ninguém ligado às pesquisas universitárias.
Essa
é a universidade que temos. Melhorá-la depende de investimentos significativos
desde a educação básica e os resultados demandam tempo. Só assim há a
possibilidade de alterarmos esse cenário e de termos instituições de ensino que
selecionam alunos, que estarão em condições iguais para concorrer a uma vaga. Os
melhores, apenas eles, ingressarão.
A
criação de cotas não resolverá essa questão. Ela trará para dentro das
universidades federais alunos cada vez mais mal-preparados, sem condições
mínimas para cursar as disciplinas universitárias, conforme as ementas impõem.
Sabemos que com o ENEM a seleção dos alunos já piorou bastante. Isso só elevará
em muito, como já disse, o índice de evasão e reduzirá o nível do ensino nessas
instituições.
Ademais, a redução das vagas para os alunos advindos do ensino privado
acirrará ainda mais o nível de exigência dessas escolas, afastando-as mais e
mais das escolas públicas. Como, de todo modo, as vagas não serão suficientes,
a tendência é que muitos bons alunos e bem preparados migrem para as universidades
privadas. Creio que eles, em muitos casos, até mesmo optem por ela, diante do
fato de que os alunos da rede pública ingressarão no ensino superior com um
nível de aprendizado muito inferior ao deles, fruto daquele relaxamento
proporcionado pelo dito Coeficiente de Rendimento. Obviamente o desenvolvimento
de todos os alunos, independente da forma de ingresso, será sobremaneira
prejudicado.
Para
piorar toda essa história, a presidente manteve o ITA e o IME de fora da lei, sob
o argumento de que ela só se aplica às instituições de ensino ligadas ao MEC.
Ora, o ITA e o IME estão sim ligados ao MEC, por mais que sejam mantidos por
outro ministério. O MEC os avalia e confere validade ao diploma, que eles
emitem. Sabe-se que essas escolas não utilizam o ENEM para a seleção de seus
alunos, o que é feito pelo vestibular à moda antiga, com provas de múltipla
escolha e provas discursivas, em que o preparo e a competência prevalecem.
Parece-me que a excelência e exigência só, e somente só, dessas instituições se
manterá incólume.
Sem
uma reforma longa e profunda no ensino público brasileiro, acredito que a lei
de cotas seja completamente inexequível. Ela só irá aumentar a diferença do
nível do ensino público e privado e fará com que haja uma migração de muitos
bons alunos para as universidades privadas. Acho bem pouco provável que a
universidade pública continue se apoiando no tripé ensino, pesquisa e extensão,
justamente por ter que focar no desenvolvimento de métodos de ensino e turmas
de reforço para os alunos oriundos de escolas públicas. Não sobrará tempo e nem
disposição para que os professores incentivem e coordenem as pesquisa e
extensão universitária. E a produção de conhecimento? Esse se tornará um
desafio, uma missão quase que inalcançável para as universidades federais.
Foto:
Reprodução.
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