sábado, 18 de agosto de 2012

E a tal liberdade de expressão no caso da Pussy Riot?

Jacqueline Costa

Essa semana, um dos assuntos mais comentados foi o julgamento de três integrantes da banda punk Pussy Riot. As mulheres foram condenadas a dois anos de prisão por catarem uma espécie de oração contra Putin, o que foi classificado pelo tribunal como vandalismo religioso.

A banda tocou a oração punk no altar da Catedral de Cristo Salvador, em fevereiro deste ano. Nela pediam que a Virgem Maria livrasse a Rússia de Vladimir Putin, o atual presidente do país. O protesto da banda foi feito após o patriarca ortodoxo russo, Kirill, pedir votos para Putin nas vésperas da eleição para presidente. Esse fato não consternou apenas as mulheres do Pussy Riot, mas toda a oposição russa.

A juíza, responsável pelo caso, entendeu que tal ato foi rigorosamente planejado pelas três integrantes da banda. Ela considerou também não houve qualquer demonstração, desde então, de arrependimento por terem violado a ordem pública e ofendido muitos cristãos ortodoxos, que são maioria na Rússia.

Os críticos do governo russo entenderam que esse julgamento é mais uma medida de repressão a dissidentes. As integrantes da banda Pussy Riot, inclusive, se manifestaram no sentido de que se tratava de uma questão política e que se tivessem se manifestado favoravelmente ao presidente russo, não estariam sendo julgadas.

O caso ganhou notoriedade mundial e em várias cidades, pessoas protestaram antes, durante e depois do julgamento, pedindo a libertação das jovens. Em Hamburgo, Kiev, Barcelona e Londres, manifestantes, trajando balaclavas – máscaras usadas pelo grupo Pussy Riot –, foram às ruas para pedirem a libertação daquelas mulheres. Além disso, de Madonna a Paul McCartney, passando por Red Hot Chili Peppers, Sting e The Who, várias estrelas da música manifestaram seu apoio a elas.


A repercussão do caso suscita a velha discussão sobre a liberdade de expressão. Velha, mas sempre atual, porque nunca deixamos de discutir sua aplicação e extensão em vários eventos ao redor mundo e no nosso dia a dia.

Muito já se falou sobre ela e eu concluo que temos todo o direito de dizer o que pensamos, de expor as nossas convicções, independente de serem elas majoritárias ou minoritárias, em relação ao nosso grupo social. A questão, assim como toda discussão sobre os limites das manifestações de opinião na internet, reside em como essa liberdade é manifestada. Podemos falar o que quisermos, desde que saibamos como dizê-lo. Eu, desde criança, ouvi meus pais me dizerem isso e devo concordar. Não é ético, moral nem justo que as minhas ideias agridam os outros, pelo simples motivos de eles delas discordarem. Eu não tenho o direito de impor o que penso e de desrespeitar qualquer crença ou ideia diferentes das minhas, sob o pretexto de me fazer entender. E eu acho que esse caso teve sim um pouco disso.

As meninas, indignadas com a manifestação do patriarca ortodoxo russo, resolveram, a seu modo, dar a resposta. Eu concordo e acho que em um Estado que se intitule laico, é inadmissível que a igreja propague campanhas eleitorais e apoio a esse ou àquele candidato. Mas quando elas levantaram uma bandeira como essa em pleno altar da Catedral de Cristo Salvador, com o claro intuito de enfrentar o patriarca, feriu o sentimento religioso de milhares de pessoas, para as quais aquele é um lugar sagrado.

A oração punk contra Vladimir Putin poderia ter sido cantada milhares de vezes, em alto e bom som, desde que isso acontecesse no palco em seus shows. Pussy Riot poderia ter manifestado todo o seu inconformismo com o apoio do patriarca ortodoxo russo no palco e com isso, certamente, alcançariam mais adeptos do que críticos. Esse seria um ato corajoso e muito mais digno de aplausos do que de vaias. O problema foi justamente terem subestimado um templo sagrado para a maioria dos russos. A liberdade de expressão foi atenuada e acabou prevalecendo o desrespeito à crença, à religião.

Das opiniões, que li a respeito do caso, a mais sensata (por mais incrível que isso pareça) foi a da Madonna, que afirmou que não queria desrespeitar nem a igreja nem o governo, mas que tinha que reconhecer que as meninas da banda fizeram algo corajoso ao combater o apoio da igreja a Putin. Segundo a cantora, os cinco últimos meses em que elas passaram na prisão já serviram de lição e, por isso, agora elas deveriam ser libertadas.

Política ou não, essa discussão nos desafia a pensar os limites da liberdade de expressão. Na vida em sociedade, não há de se falar em liberdade absoluta. É justamente a limitação da liberdade que nos permite viver em grupo. Temos que reconhecer esses limites, para que as nossas manifestações, por mais legítimas que sejam, não se tornem ofensivas, desrespeitosas e, por isso, acabem se perdendo. Só com muito respeito pelo outro, podemos manifestar tudo aquilo que pensamos.

Foto: Reprodução.

4 comentários:

  1. Jacque,
    Talvez esse texto ajude a entender porquê elas cantaram exatamente nessa igreja. Essa igreja tem sido usada como instrumento da polícia secreta russa, porque o chefe da igreja Ortodoxa é colega de Putin da KGB.
    Também usaram uma igreja Ortodoxa pelo significado que ela tem tido nos últimos anos para fortalecer o poder do governo.
    As mocinhas são bastante inteligentes e sabem o quê estão falando. Claro que usar uma igreja para protestar é ir além da liberdade de expressão; contudo essa igreja já não tem mais o significado primeiro de culto, mas de espaço para ações secretas de um governo corrupto...
    Bom... É o meu grãozinho de areia à discussão. :)
    Beijo, Raul.

    ResponderExcluir
  2. Jacque,
    Esqueci de colocar o link para o texto! Hehehe Mil perdões! Ficou parecendo que era a minha opinião que ia te ajudar a entender melhor o contexto! Hahaha Né não! É esse texto abaixo.
    Aqui vai: http://boingboing.net/2012/08/11/pussy-riots-closing-statemen.html
    Beijo, Raul.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu realmente fiquei muito impressionada quando li sobre a formação de cada um delas em Filosofia, Artes em instituições russas de ponta. Elas são mesmo muito inteligentes e politizadas e tinham motivos relevantes para se mostrarem indignadas por meio da música. Como disse, concordo bastante com esse tipo de manifestação, mas, de qualquer maneira, o conluio entre Putin e Kirill, com a utilização da Igreja para manifestar o apoio político, ainda que da maneira como tem ocorrido, não justifica uma resposta como essa no mesmo local.
      Ao agirem dessa maneira, elas deram ao governo a justificativa, que ele precisava para puni-las. Não discuto a pena aplicada a elas, porque não conheço a legislação russa para dizer se foi justa ou injusta.
      De todo modo, a discussão sobre o governo de Putin e a corrupção na Rússia tem mesmo que ser feita, mas de um outro modo. A mobilização social efetiva e que gera mudanças reais é árdua e só pode ser conquistada com muita paciência. Esse tipo de atitude agressiva e impositiva, como a oração punk no altar da Igreja Cristã Ortodoxa, só desagrega muitas pessoas que já tinham sido mobilizadas.
      Adoro conversar sobre essas coisas com você, Raul! Muito obrigada! Valeu demais pelo comentário e vamos continuar conversando! Bjos!

      Excluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir

A sua opinião, positiva ou negativa, sobre as minhas palavras sempre é importante para mim. Obrigada pelo feedback e por me ajudar a aprimorar e pensar sobre o que escrevo!